terça-feira, 20 de julho de 2010

Falta inovação tecnológica da indústria farmacêutica brasileira

Déficit da balança comercial do setor de saúde cresce 55% no ano. Ano após ano, o déficit da balança comercial brasileira na área de saúde cresce e revela uma preocupante dependência do mercado externo para a aquisição de remédios e equipamentos médicos consumidos no país. Na avaliação do Ministério da Saúde, a situação poderia levar a um desabastecimento em caso de forte desvalorização do real.

As importações do setor somaram US$ 11,3 bilhões no ano passado, valor que representa 8,8% do total das compras internacionais, que alcançaram US$ 127,6 bilhões. Já a participação das exportações da indústria farmacêutica em todo o volume vendido pelo Brasil ao exterior se mantém estagnado em torno de 1,5% há dez anos. De 2000 a 2009, o déficit comercial dessas transações subiu 155%.

No primeiro semestre deste ano, as importações de remédios e equipamentos médicos totalizaram US$ 7,2 bilhões, um crescimento de 45% em comparação com o mesmo período de 2009, percentual semelhante a alta de toda a importação brasileira (44%). O total de US$ 1,2 bilhão em exportações registrado de janeiro a junho representa 11% de aumento sobre igual intervalo do ano passado (bem abaixo do total exportado, que cresceu 26%), resultando em um déficit comercial 55% maior, de US$ 6 bilhões.

Reinaldo Guimarães, secretário de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, reitera a gravidade dessa dependência. "Se o real se desvaloriza de maneira importante a saúde quebra no dia seguinte, não haverá dinheiro para comprar medicamentos que hoje são importados", afirmou ao Valor.

Segundo ele, o Brasil também fica vulnerável nas negociações com as indústrias farmacêuticas estrangeiras, de quem o governo federal compra 30% dos remédios do mercado nacional, que são destinados a abastecer o Sistema Único de Saúde (SUS). "Se o mercado é dependente demais das importações passa a viver ao bel-prazer da imposição de preços, principalmente dos remédios mais caros e tecnologicamente mais sofisticados, que são produtos monopolísticos, protegidos por patente", acrescentou.

Segundo Guimarães, o desequilíbrio entre importações e exportações no setor de saúde é fruto da abertura comercial da década de 1990 e, mais recentemente, do aumento do consumo com a entrada de classes sociais de menor renda no mercado. "As farmoquímicas brasileiras não aguentaram a competição estrangeira e praticamente desapareceram. Além disso, o mercado farmacêutico e de prestação de serviços de saúde vêm crescendo num ritmo muito forte [30% em 2009], e como não há produção nacional grande parte do setor é alvo de importação."

Para Marcos Ferraz, professor do Centro Paulista de Economia da Saúde da Universidade Federal de São Paulo (CPES-Unifesp), o problema está no lento processo de inovação tecnológica da indústria farmacêutica brasileira. "Conforme cresce a demanda do mercado interno, o déficit comercial cresce, porque a nossa produção ainda é muito pequena e, na maioria das vezes, pouco qualificada, sem diferenciais", explica.

Tamanho de mercado também faz diferença, acrescenta Nelson Mussolini, vice-presidente do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos do Estado de São Paulo (Sindusfarma). "Só em remédios, o faturamento anual do mercado interno é de US$ 18 bilhões. Em apenas um semestre, o laboratório transnacional Novartis faturou US$ 23 bilhões. Ainda falta escala para mobilizar empresas para produzir matérias-primas e investir em pesquisa para gerar novos remédios."

Dados do setor mostram que déficits da balança comercial de remédios não são exclusividade brasileira, porque a produção dos medicamentos mais consumidos no mundo está concentrada na China, Índia e parte na Suiça. Mussolini diz que a reversão desse quadro pode levar uma década. "Para descobrir uma nova molécula farmacêutica, que irá resultar em um novo medicamento, é preciso investimento de oito, dez anos. E é preciso caixa para sustentar esse investimento, o que ainda não é o caso da indústria nacional."
Valor20.7.10

segunda-feira, 5 de julho de 2010

As certezas da inovação e da sustentabilidade

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Marcos regulatórios mais restritivos vêm se consolidando como elementos importantes na defesa do ambiente

A falta de investimentos em inovação pode nos levar a questionar a consistência e a continuidade dos bons resultados da economia brasileira nos próximos anos. Ou seja, nosso desenvolvimento econômico não está assegurado apesar da justificada onda de otimismo atual. De fato, os números comprovam nossa modesta posição em Inovação. A última Pintec 2005 (Pesquisa de Inovação Tecnológica/IBGE) revelou que menos de 5 mil empresas fazem pesquisa e desenvolvimento de forma contínua no Brasil demonstrando esforço consistente e estruturado em Inovação. Isso é insuficiente frente às ambições do Brasil.

As soluções para alavancar o esforço insuficiente em P&D nas empresas brasileiras têm apontado para a necessidade de políticas públicas mais ousadas e abrangentes. É certo que os programas de governo de estímulo à Inovação têm se mostrado relativamente limitados nos seus resultados embora sejam extremamente amplos e consistentes nos seus propósitos. Mas, em que pesem as sempre possíveis e desejáveis evoluções das políticas públicas, um fato novo pode estar surgindo no ambiente da Inovação com impactos significativos, tanto no posicionamento concorrencial das empresas brasileiras no cenário internacional quanto na formulação de políticas públicas para o País.

Segundo pesquisa realizada da Câmara Americana de Comércio (Amcham) com suas associadas, uma em cada três empresas tem a Sustentabilidade como um dos elementos essenciais para seus negócios. O levantamento foi apresentado em novembro de 2009, em São Paulo, no evento em homenagem aos vencedores do Prêmio Eco 2009, iniciativa realizada em parceria pelo Valor e pela Amcham. Para os organizadores do evento, inovação com foco na sustentabilidade foi o principal aspecto dos 89 trabalhos de 75 empresas que concorreram ao prêmio. Fica clara, assim, a forte ligação entre sustentabilidade e inovação. Essa proximidade não é casual. Na prática, os dois conceitos são indissociáveis. E, o percurso da inovação pode, finalmente, beneficiar-se desse atalho representado pela sustentabilidade. Esperemos, também, que esse novo caminho seja menos sujeito a ciclos e instabilidades.

Toda atividade econômica impacta o meio ambiente. No entanto esse assunto vem assumindo importância crescente nos últimos tempos por duas razões principais: pela dimensão e abrangência cada vez maior desse impacto e pela conscientização da população dos impactos causados pela atividade humana ao meio ambiente. Esse contexto estimula ações que reduzam ou mesmo eliminem impactos ambientais indesejáveis. Marcos regulatórios mais restritivos vêm se consolidando como elemento importante nesse caminho rumo à sustentabilidade. Mas, é interessante notar também que as empresas estão se antecipando às exigências legais e desenvolvendo soluções completas que garantam o respeito ao ambiente e à preservação do planeta.

As legislações tendem a acompanhar essas iniciativas apenas "a posteriori", induzidas por empresas pioneiras. Surge aí o primeiro elo objetivo entre sustentabilidade e inovação. Desenvolver novas soluções que atendam o bem estar das pessoas e o respeito ao ambiente exige um esforço consequente em inovação. Fazer isso antecipando tendências é extremamente desafiador e representa uma abordagem genuinamente inovadora. Esse esforço vem tomando espaço nas empresas e delineando um novo paradigma de atuação. A maioria das empresas inovadoras está mantendo, ou mesmo aumentando, seus esforços em sustentabilidade e, consequentemente, em inovação, porque percebem criação de valor nessa atividade. Recente levantamento realizado entre associadas da Anpei sinalizou que mais de 70% das empresas mantiveram ou aumentaram seus investimentos em Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação (PD&I) em 2009.

Outro ponto de convergência entre inovação e sustentabilidade que vale a pena destacar é o da diferenciação. A inovação, tanto quanto a preocupação com a sustentabilidade, permitem desenvolver produtos diferenciados para o atendimento das necessidades do mercado e de aplicações pioneiras de forma sustentável, normalmente com ganhos ambientais importantes. Esses produtos promovem a imagem das empresas e alimentam o círculo virtuoso de agregação de valor, estimulando mais desenvolvimentos pioneiros e diferenciados.

Além disso, o Brasil aparece, no contexto da discussão sobre sustentabilidade, de forma privilegiada devido à grande competitividade de seus recursos naturais. Mas, a simples disponibilidade de recursos não é suficiente para garantir uma posição destacada nesse contexto no longo prazo. É necessário ir além e efetivar o potencial dos recursos renováveis em ações e resultados concretos. Para tanto, novas tecnologias devem ser desenvolvidas e disponibilizadas. Surge, assim, por meio da sustentabilidade, uma nova demanda tecnológica por inovação. A possibilidade de desenvolver rotas alternativas a partir de insumos sustentáveis e sem a geração de resíduos é a terceira e definitiva interface que integra inovação e sustentabilidade.

A preocupação com a sustentabilidade pode lançar a inovação para um novo e diferenciado patamar colocando-a, definitivamente, na ordem do dia da competitividade e emprestando a ela alguma estabilidade. Podemos, então, à luz dessa discussão que não se esgota aqui, enumerar algumas certezas e convicções:

Quem diz "Sustentabilidade", diz "Inovação". Não haverá sustentabilidade, principalmente ambiental, sem esforço consequente e estruturado em inovação.

Tanto sustentabilidade quanto inovação são fundamentais para garantir a competitividade das empresas no contexto global.

A incerteza crescente no mundo é caldo de cultura e ambiente propício para a Inovação.

Carlos Calmanovici é engenheiro e presidente da Anpei - Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras