terça-feira, 22 de novembro de 2011

Pequenas querem vender mais para governo

Há 18 anos no ramo de material de construção, o empresário Ricardo Rocha, de Três Rios (RJ), está montando em sua empresa uma área especializada na triagem de licitações. A ideia nasceu após a participação no programa Compra Mais, recém-criado pelo Sebrae-RJ e o governo do Rio, com o objetivo de ampliar a participação das micro e pequenas empresas nas compras públicas. Apesar de responder por 99% dos empreendimentos e empregar mais de 60% da mão de obra do país, o segmento detém apenas 28% das compras feitas pelo governo federal. A baixa participação se repete na administração de estados e municípios.

"Aprendi a participar de pregões on-line e vou contratar uma pessoa só para monitorar oportunidades nas concorrências. Espero elevar em 25% meu faturamento vendendo para o estado e prefeituras das redondezas", diz Rocha, dono da rede Império da Construção.

Capacitação para empresários e gestores

O programa envolve empresários, mas também gestores públicos. O objetivo é conscientizá-los da importância de aumentar as compras de pequenos empreendedores para desenvolver a economia local e divulgar o capítulo cinco da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, que trata especificamente de compras governamentais. Ele estabelece vantagens para o segmento nos pregões - como a preferência em caso de empate e exclusividade em licitações de até R$80 mil - mas só vale se regulamentado por lei estadual e municipal.

"É preciso normatizar para não ficar preso à Lei 8.666 (das licitações) e poder dar tratamento diferenciado às pequenas. No Rio, 75 dos 92 municípios já fizeram isso", diz Cezar Vasquez, diretor-superintendente do Sebrae-RJ.

A meta até o fim do programa, em 2013, é superar a média de 30% e caminhar para que 50% da demanda do estado e de municípios fluminenses seja suprida por micro e pequenos fornecedores. Só o governo do estado movimenta R$8 bilhões por ano em compras. Para coroar o programa, que deve ser replicado em todo o Brasil, será realizada uma grande rodada de negócios nacional. Batizada de "Fomenta", ela já ocorre ao fim de cada capacitação regional.

Em seu primeiro mês de vida, o Compra Mais capacitou 280 empresas e agentes públicos da região Centro-Sul fluminense. Entre outras coisas, eles foram apresentados às exigências burocráticas das compras públicas e aprenderam a operar sistemas de compras on-line, como o SIGA, adotado pelo governo do Rio. Agora, segue para a região do Médio Paraíba.

Grandes eventos vão aquecer do setor público

Dona de uma confecção de uniformes em Petrópolis, Luciane Melo se antecipou à chegada do programa à Região Serrana e participou do programa do Centro-Sul. A empresária nunca tinha disputado uma licitação, mas agora já tem todas as certidões necessárias e inscrições no Petronet, Comprasnet e SIGA, sistemas de compras online de Petrobras, governos federal e estadual. Ela aposta que eventos como a Copa do Mundo vão aumentar a demanda do setor público para seu produto e já estuda ampliar sua capacidade de produção de 40 mil para 60 mil peças por mês.

"Este ano vencemos quatro concorrências e espero chegar a dez em 2012. Tinha dificuldade para me organizar. As exigências são diferentes e variadas de acordo com a licitação", diz Luciane.

(Fonte: O Globo - 18/11/2011)

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O reequilíbrio da inovação



A riqueza das nações vem se reordenando a alta velocidade. A atual crise dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o avanço das economias emergentes acelera a reordenação do mapa econômico mundial. Há, no entanto, outra revolução silenciosa em andamento: o reequilíbrio da inovação, em direção aos países emergentes.

A inovação, em particular a empresarial, até pouco tempo atrás era uma história mais voltada ao Ocidente. As multinacionais dos países da OCDE concebiam, produziam e comercializavam os produtos inovadores. Pouco a pouco, instalou-se outro modelo: a inovação continuava sendo concebida no Ocidente, mas cada vez mais era produzida nos países emergentes. É o modelo da Apple com seus iPods e iPads, em parte, produzidos em Taiwan, Coreia do Sul ou China. Agora, estamos vendo emergir um terceiro modelo no qual a inovação, crescentemente, não é mais apenas produzida e comercializada, mas também concebida nos mercados emergentes.

Esse deslocamento provoca uma reordenação acelerada das listas de classificação das maiores empresas do mundo. A lista mais recente das cem maiores empresas de tecnologia do mundo elaborada pela "Bloomberg" e "Businessweek" mostra que 44% são de países emergentes. Mais do que isso, uma delas, a chinesa BYD, lidera a classificação, pela primeira vez, à frente da Apple. Depois da empresa dos EUA, vem outra multinacional chinesa, a Tencent, uma empresa de internet que já é a terceira maior do mundo em valor de mercado, apenas atrás do Google e Amazon, e logo à frente da Baidu, também da China. Entre as dez maiores empresas de tecnologia ainda há duas indianas (Tata Consultancy e Infosys). Chama a atenção o fato de nenhuma ser europeia. Multinacionais de Cingapura, Taiwan ou Brasil despontam em quantidades superiores às escassas alemãs, belgas ou inglesas que conseguiram invadir a lista.

Os EUA ainda são o país com mais empresas listadas na Nasdaq (404), mas o segundo lugar é de um emergente, a China, com 37. Logo atrás, outro emergente, Israel (27). A China tem mais que o triplo de empresas de tecnologia listadas na bolsa do que toda a Europa (11).

As classificações das empresas de tecnologia mais importantes ou inovadoras, realizadas pelo Boston Consulting Group e pela revista "Forbes", contam a mesma história: a Tencent encabeça o ranking das dez maiores da empresa de consultoria, no qual também fazem parte a taiwanesa Mediatek, a mexicana América Móvil, a China Mobile, as indianas Bharti Airtel e Infosys e a sul-africana MTN. Na lista das dez primeiras da revista, além da Tencent (novamente à frente da Apple e Google), também estão a Natura Cosméticos e a indiana Bharat Heavy.

O fenômeno é maciço e abrange todos os setores. Em 2011, a principal fornecedora para a indústria de telecomunicações deixou de ser dos EUA, França ou Suécia: é da China. A partir de Shenzhen, ao lado de Hong Kong, a Huawei chegou à liderança arrebatando as posições da Alcatel e Lucent (que se viram forçadas a promover fusão) e, mais recentemente, da Ericsson. A sul-coreana Samsung encabeça o ranking de 2011 de maior receita mundial no setor de tecnologia, à frente da Hewlett-Packard (HP), dos EUA. Em 2010, a empresa investiu mais em pesquisa e desenvolvimento do que Intel, Google ou Cisco. O sistema de pagamentos na internet do site chinês Alibaba já é o maior do mundo em termos de valor das transações: a empresa de comércio eletrônico, na qual o fundo californiano Silver Lake acaba de entrar, tem valor de mercado de US$ 32 bilhões, quase o dobro da capitalização do Yahoo (dono de cerca de 40% do Alibaba).

O Brasil é um dos países em que mais se usam redes de relacionamento social na internet, como Twitter, bem à frente dos EUA. O serviço de bate-papo virtual da Tencent possui quase 700 milhões de pessoas registradas, equivalente a todos os usuários do Facebook. A velocidade do fenômeno chama a atenção: tudo isso ocorreu em menos de dez anos.

O mundo da internet tradicionalmente é dominado por multinacionais dos Estados Unidos. A Tencent, entretanto, já exibe capitalização de mercado de US$ 45 bilhões, à frente da eBay e Yahoo. Em Moscou, o russo Yuri Milner vem revolucionando as regras dos capitais de risco para o setor digital, dominado até agora por fundos californianos. Sua Digital Sky Technologies (DST) é dona da mail.ru, listada na Bolsa de Valores de Londres com valor superior a US$ 8 bilhões. Seu fundo de capital de risco é um dos poucos que possui participações no Facebook, Zinga e Groupon.

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A chinesa Tencent (que possui 10% da DST e comprou empresas iniciantes, como a Riot Games, dos EUA, por US$ 400 milhões) lançou também seu fundo neste ano, o Tencent Industry Win-Win Fund, com US$ 760 milhões, para ampliar a compra de empresas em fase inicial de operações. Por sua parte, o conglomerado chinês Alibaba Group Holdings lançou o seu por meio da filial Taobao, com US$ 46 milhões. A Legend Capital, por sua parte, proprietária em parte da Lenovo (na qual possui participação de 42%) levantou outro fundo tecnológico, com €500 milhões, neste ano. Em Cingapura, a Singtel, operadora de telecomunicações, criou em 2011 seu fundo de capital de risco, com mais de US$ 250 milhões, para também expandir as compras de empresas de tecnologia com projetos iniciantes.

Todas essas iniciativas mostram, caso ainda seja necessário, quanto os países emergentes asiáticos vem apostando para ganhar um lugar cada vez maior no mundo do capital de risco e de fornecimento de capital inicial para novas empresas.

Em 2011, os EUA ainda são o país com mais empresas listadas na Nasdaq (404), mas o segundo lugar já é ocupado por um país emergente, a China, com 37. Logo atrás, outro emergente, Israel (com 27). A China tem mais que o triplo de empresas de tecnologia listadas na Nasdaq do que toda a Europa (apenas 11).

O fenômeno não é exclusivamente asiático. O caso da Naspers, multinacional sul-africana do mundo digital, é emblemático: a empresa obtém mais de 70% de sua receita no continente africano, mas multiplicou as aquisições nos mercados emergentes. Possui participação de 45% na Tencent, que comprou em 2011 e já se valorizou mais de 3.100%. Também investiu na russa mail.ru (US$ 390 milhões) e possui 91% da brasileira Buscapé (que comprou por mais de US$ 390 milhões). No Leste Europeu, comprou a Tradus por mais de US$ 1 bilhão em 2008. Atualmente, a Naspers é uma das maiores investidores em empresas em fase inicial de operações em emergentes. Está presente em 129 países e tem receita em torno a US$ 4 bilhões e 12 mil funcionários.

Esses exemplos refletem as alterações do mundo em que vivemos. No futuro, esses grupos e países ganharão lugar (cada vez maior) em todos os âmbitos e setores, incluindo os de tecnologia e de maior inovação. Essa talvez seja uma razão a mais para interessar-se e estar presente nessas economias, onde já não apenas se produz e comercializa inovação, mas também se cria, algo que até agora era exclusividade dos países da OCDE. (Tradução de Sabino Ahumada)

por Javier Santiso, professor de economia na Esade Business School
Valor 18.11.2011

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Política industrial, inovação e compras governamentais

Desde o lançamento da nova política industrial, "Brasil Maior", pela presidente Dilma Rousseff, no dia 2 de agosto, muito tem-se discutido sobre os possíveis impactos de atrelar o poder de compras do Estado ao desenvolvimento produtivo e tecnológico no país. Há também um outro debate em torno desse tema, referente à necessidade de se revisar o principal marco legal que regulamenta as compras governamentais: a Lei nº 8.666, de 1993, para que haja a possibilidade de escolha nas aquisições de certos bens e serviços pelo governo baseadas não apenas no menor preço.

A dimensão das compras governamentais no Brasil certamente legitima as propostas de se alavancar uma política industrial e tecnológica, premiando empresas que estejam alinhadas com os objetivos estratégicos do país. Foi com esse objetivo que, em dezembro de 2010, foi aprovada a Lei nº 12.349, alterando a Lei nº 8.666, de forma a permitir margens de preferência para bens e serviços nacionais em processos licitatórios. Entre os critérios previstos pela nova lei para possibilitar a margem de preferência, inclui-se o desenvolvimento e inovação tecnológica no país. Um outro mecanismo para promover inovação tecnológica por meio das compras públicas são as chamadas "encomendas tecnológicas", estabelecidas no Brasil pelo artigo 20 da Lei de Inovação (Lei nº 10.973 de 2004).

Programa deve premiar as empresas que estejam alinhadas com objetivos estratégicos do país

Apesar da existência prévia ao lançamento do "Brasil Maior", da possibilidade de serem feitas encomendas tecnológicas e das margens de preferência para produtos nacionais em licitações na legislação brasileira, não era possível a utilização desses mecanismos dada a inexistência de uma regulamentação. Vale destacar que, além de tratarem de temas sensíveis por envolverem o uso de dinheiro público, há também dificuldade técnica em definir os parâmetros que tornam uma empresa, produto ou serviço aptos a usufruírem desses benefícios. Essa dificuldade fica bastante evidente pelo desafio em definir critérios básicos como "produto nacional" ou "inovação tecnológica".

Não obstante a essas dificuldades, o Projeto "Brasil Maior" elencou o destravamento do uso desses mecanismos como um de seus principais pilares. Passadas já algumas semanas desde o lançamento dessa nova política industrial, continua bastante obscuro como será feita a instrumentalização desses dois mecanismos (regulamentados pelos Decretos nº 7.539 e nº 7.546).

A começar pela margem de preferência para produtos e serviços nacionais. Em primeiro lugar, a regulamentação não definiu o que é um "produto nacional". Foi criada uma Comissão Interministerial para definir os parâmetros e critérios, conforme o setor. Ainda que a definição siga os padrões estabelecidos pelas Regras de Origem do Mercosul, diversos segmentos terão extrema dificuldade em cumprir com essa regra de origem, podendo tornar a política inócua, dado que não haverá empresas brasileiras aptas a produzirem "produtos nacionais" com o grau de conteúdo local exigido.

Há ainda a questão de onde sairão os recursos necessários para cobrir o custo adicional aos cofres públicos. Isso é crítico em um momento em que são feitos esforços de ajustes fiscais no país. Algumas áreas do governo, com destaque para o Ministério da Saúde, já trabalham com orçamentos extremamente achatados, não deixando margens para o desenvolvimento de política industrial e tecnológica com os seus recursos. O debate em torno da Regulamentação da Emenda 29 e a necessidade em se criar novas fontes de financiamento para a saúde parecem de certa forma contraditórios ao que se almeja com o "Brasil Maior".

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Na questão das encomendas tecnológicas, o desafio está em definir o grau de inovação que o bem ou serviço deverá incorporar para poder ser "encomendado" pelo Estado. As áreas de excelência em que as empresas brasileiras efetivamente têm capacidade de desenvolver inovações radicais são restritas. Ainda que o mecanismo permita encomendas para o desenvolvimento de inovações incrementais, o universo de setores que poderão ser atendidos pelas empresas brasileiras continuará restrito. Tendo em vista essas dificuldades, há segmentos que defendem uma ampliação do conceito de inovação, a fim de permitir que empresas que passem a produzir no país tecnologias já existentes no exterior também possam ser beneficiadas pelo instrumento de encomendas tecnológicas.

Enquanto o destravamento desses mecanismos não se viabiliza, alguns mecanismos menos institucionalizados para atrelar o desenvolvimento industrial e produtivo ao poder de compras do Estado vêm sendo utilizados. Um desses mecanismos são as chamadas Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) (também chamadas de PPPs), envolvendo empresas do setor de saúde e laboratórios públicos.

Por meio dessas parcerias, os laboratórios públicos compram transferência de tecnologia atrelada ao fornecimento de produtos de empresas privadas. Até que se concretize a transferência tecnológica, o laboratório público fornece o produto fabricado pela empresa privada para o Sistema Único de Saúde (SUS), sem que haja a necessidade de licitação (como entidades públicas, esses laboratórios estão dispensados de seguir os trâmites licitatórios).

Há um grande potencial nessas políticas, mas é uma utopia imaginar que elas poderão alavancar todos os setores do país. É importante que haja uma priorização de segmentos para os quais devem ser canalizados os recursos públicos, tendo em conta a competitividade internacional das cadeias (incluindo a produção científica e acadêmica), o potencial de inserção externa dos bens e serviços, o custo para os cofres públicos frente a ofertantes internacionais, entre outros critérios. Onerar as compras de governo sem que haja critérios bem definidos é fazer mal uso dos recursos públicos.

por Ricardo Camargo Mendes / sócio da Prospectiva Consultoria
Valor 17.11.2011