quarta-feira, 23 de março de 2011

"O Brasil está pronto para dar um salto em inovação"

Entrevista Glauco Arbix
Por mais de uma vez, o presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Glauco Arbix, foi surpreendido por um pedido inusitado do ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante. "Glauco, suba até a minha sala", solicitou Mercadante por telefone. Ele então avisou seu superior que a localização geográfica não permitia atender ao pedido tão prontamente: "Mas ministro, estou no Rio, lembra?". A cena ilustra um pouco da urgência do Ministério para tratar do assunto principal que diz respeito à Finep - apoio à inovação de empresas e universidades. E Arbix, longe de se aborrecer com as convocações, não esconde o entusiasmo com a pressa do ministro. "Estamos prontos para dar um salto", diz o sociólogo, que passou o último ano imerso numa temporada de estudos no Massachussets Institute of Technology (MIT), nos EUA. Nem mesmo o ajuste fiscal que congelou R$ 610 milhões da Finep o abalou. "O BNDES garantiu uma linha dedicada à inovação este ano".

Como avalia seus primeiros meses à frente da Finep?


Glauco Arbix - Participamos de discussões sobre política científico-tecnológica que estão muito além das minhas expectativas. Trata-se de uma dinâmica muito forte porque o grupo ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia é muito qualificado. O ministro Aloizio Mercadante nomeou um time forte e está demonstrando uma capacidade muito grande de ouvir. O Carlos Nobre, por exemplo, é um dos nomes mais importantes do mundo em mudança climática (ele é titular da Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento). Ronaldo Mota (secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação) é um dos maiores especialistas em nanotecnologia (ao todo, são quatro secretarias ligadas ao Ministério). Quando se vitamina o time principal, e ao mesmo tempo se trabalha para que o grupo interaja, criam-se condições para que decisões sejam tomadas, mesmo com todas as restrições da ação pública. Pessoalmente, penso que está sendo um choque positivo para o ministério como um todo.

Como funciona a ideia de transformar a Finep numa instituição financeira reconhecida pelo Banco Central?

Glauco Arbix - A Finep já é uma instituição financeira, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nos reconhece como tal, tanto que nos transfere recursos. Mas não temos esse reconhecimento do Banco Central. Para que isso aconteça temos que comer muito arroz com feijão, pois há uma série de procedimentos, estruturas de risco e contabilidade para montar. Hoje temos isso, mas não do modo organizado e sistemático como eles exigem. Só dentro de três anos poderíamos lançar papéis para captar recursos no mercado.

E por que essa necessidade agora?

Glauco Arbix - Porque até 2005 a Finep executava R$ 310 milhões e atendia a 70 empresas. Hoje, esse orçamento multiplicou por nove e atendemos a duas mil empresas (sem contar os recursos voltados para universidades, algo em torno de R$ 1,3 bilhão). Antes éramos uma agência de fomento que transferia recurso para universidades, para centros de pesquisa. A atividade empresarial era residual. Agora, chamamos a atenção porque passamos a interferir concretamente na economia e na vida das empresas. As autoridades são obrigadas, então, a conversar conosco, a nos orientar e a trabalhar em conjunto.

O que isso significa na prática?


Glauco Arbix - Se quisermos fazer a diferença em tecnologia e inovação, temos um trabalho grande. Precisaremos de capacidade para captar recursos no mercado e ainda trabalhar algo parecido com a BNDESpar, a empresa de participações do BNDES, para nos associar a pequenas, médias ou grandes empresas, para ter peso importante em tecnologia, em inovação. A questão de fundo, que nos guia, é que o Brasil não pode ficar prisioneiro das commodities. Somos um país com uma indústria diversificada, muito complexa. Agora, para se alçar como agente de primeiro plano, temos de superar situações que nos prendem ao passado, algo do país "em desenvolvimento". Temos de estar mais perto da fronteira, não só para adquirir e usar tecnologia, mas para gerar, realizar e definir tendências. Fazemos isso hoje, mas em poucas áreas.

Em quais exatamente?

Glauco Arbix - Áreas conhecidas, como petróleo em águas profundas, aviões regionais, etanol, mas temos de ampliar isso para outros setores, ir para áreas dinâmicas. Se nós não pensarmos e executarmos uma política voltada para isso, será muito difícil. Podemos ficar esperando que as empresas invistam em inovação, mas em lugar nenhum do mundo fazem isso por si só. Não é só no Brasil e não tem nada a ver com ser um país mais ou menos estatista. Num país ultraliberal, como os Estados Unidos, as empresas só inovam quando têm incentivo, estímulos e uma estrutura de financiamento poderosíssima.

Do que o Brasil precisa para evoluir nessa área?

Glauco Arbix - Temos de praticamente duplicar, em quatro anos, o nosso orçamento para apoiar empresas. Pular de R$ 4 bilhões, neste ano, para R$ 8 bilhões. Hoje, 60% do atendimento da Finep é voltado às empresas. Em 2003, era somente 10%. O poder público e a Finep estão acertando cada vez mais a mira para atingir o alvo, que é movimentar a economia. O Brasil tem uma pesquisa básica que precisa de financiamento, mas o desafio é atuar em conjunto na pesquisa, poder público e empresas.

Para quais setores a Finep olha?

Glauco Arbix - Somos uma agência de inovação e queremos ser um banco de inovação, trabalhar nas áreas intensivas em conhecimento, que gerem tecnologia. Queremos trabalhar com empresas que ainda não dispõem de laboratórios, ou procuram um grupo de peso de engenharia ou biotecnologia, para ter interface com a universidade. A Finep é uma das poucas agências do mundo que trabalham com uma gama muito grande de financiamentos, de recursos de subvenção econômica, até linhas de apoio a tecnologias pré-competitivas e competitivas, da pesquisa em áreas básicas à aplicada. Há segmentação das agências em outros países. Nós temos um cardápio de linhas. Queremos transformar a Finep numa instituição com uma porta de entrada e muitas de saídas.

Quais são os exemplos bem-sucedidos na área empresarial apoiados pela Finep?


Glauco Arbix - Vale, Petrobras, Natura, Tramontina, Embraer e empresas menores, como Lupatech, Bematech, Totvs, etc. Uma das empresas que fundaram a Totvs é a Microsiga, que foi "cultivada" pela Finep.

Mas estamos longe de outros países...

Glauco Arbix - Veja, nós temos uma estrutura institucional para desenvolver tecnologia e inovação que não deixa nada a dever para os principais países do mundo. Não devemos nada para Japão, Europa, EUA. Podemos ter menos recursos, dificuldades com legislação, marco regulatório, impostos das empresas, etc. Mas do ponto de vista institucional temos tudo para fazer o Brasil avançar. Estudei bastante nos EUA e vi que a Inglaterra e a França podem ter instrumentos mais ágeis e legislação mais favorável que a nossa, mas estamos bem abastecidos de ferramental para fazer o País dar um salto.

Dez anos atrás, não se falava com tanta frequência no Brasil sobre a aproximação entre universidade e empresas. Algo mudou?

Glauco Arbix - Há uma compreensão generalizada, um reconhecimento dessa integração. É questão de necessidade. No nível do discurso, nunca vi falarem contra. A prática é que é diferente. Fiz uma pesquisa na MIT exatamente sobre a relação entre empresas e universidades no mundo. Muitos problemas citados em agências de inovação de outros países me faziam sentir em casa. Desde o preconceito na empresa até a universidade reclamando da falta de pesquisa. É uma tensão permanente. Somos uma espécie de juiz da paz para fazer esse casamento dar certo.

Temos bons exemplos desse tipo de casamento aqui?


Glauco Arbix - Sim, nós não somos excelentes na prospecção de petróleo em águas profundas por acaso. Petróleo é commodity. Mas prospecção não. Tem a ver com energia nuclear, nanotecnologia, novos materiais, softwares, etc. É altíssima tecnologia. Pouquíssima gente no mundo consegue. Isso só pode ser feito por um sistema dentro da Petrobras, com um centro de pesquisa próprio e uma rede de suporte. A Petrobras tem mais de três mil contratos com universidades. O contato intenso esteve e está na raiz da alta competitividade da prospecção. Não haveria isso sem a malha de físicos, químicos e engenheiros ouvidos na geração de tecnologia. Temos também o etanol, com grande competitividade global.

E sem ajuda de subsídios: o governo dos EUA gasta bilhões de dólares em subsídio com os produtores de etanol...

Glauco Arbix - As pesquisas sobre etanol, no Brasil, datam da década de 1920. Na Universidade de São Paulo (USP), havia um Ford T, em 1926, movido a álcool. Ou seja, as pesquisas já existiam naquele tempo. O Brasil sempre foi acusado de ter corte desumano de cana, de ter trabalho infantil, etc., para justificar nossa competitividade no etanol de cana. Pode ser que tenhamos escorregado em alguns momentos, mas nossa primeira geração de etanol é fruto de pesquisa, muita pesquisa. Hoje vivemos uma situação excepcional, uma cultura voltada à pesquisa.

O ajuste fiscal não afetou a Finep?

Glauco Arbix - Teremos R$ 610 milhões em verbas contingenciadas. Mas o ministério garantiu junto ao BNDES uma linha especial para inovação dentro do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que vai compensar essa perda, no valor de R$ 750 milhões. E ainda poderemos fazer um empréstimo de R$ 1 bilhão extra, dentro do PSI, voltado à inovação.

Fonte: Isto é Dinheiro - 21.3.11

Nenhum comentário:

Postar um comentário