segunda-feira, 4 de abril de 2011

Laranja de mesa ganha terreno com inovações

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A década de 60 chegava ao fim quando Gilson Lucato desembarcou em São Paulo para estudar e trabalhar. Seu pai tinha uma pequena produção de laranja em Limeira, onde vivia, e logo ele conseguiu emprego no box que os tios tinham acabado de montar na Ceagesp, que nasceu em 1969 a partir da integração entre as estatais paulistas Ceasa e Cagesp.

Gilson trabalhou durante dez anos com os tios, até que eles desistiram do box e voltaram a se concentrar apenas na produção da fruta, também em Limeira. Era a oportunidade de assumir o box, e com as condições favoráveis oferecidas pelos parentes um novo ramo dos Lucato assumiu o ponto na Ceagesp.

Hoje "seu" Gilson passa mais tempo no interior que na capital. O box continua no mesmo lugar, mas suas laranjas não cabem mais nele. As vendas já alcançam 25 mil toneladas por ano, e a partir de investimentos em tecnologia, distribuição e marketing a Citrícola Lucato tornou-se exemplo de que é possível crescer mesmo focada na venda de laranja para mesa, um mercado desarticulado e que há décadas vive à sombra da cadeia exportadora de suco, que absorve cerca de 70% da produção nacional da fruta.

Definidas pelo empresário, as mudanças na Lucato começaram em 1979, com a construção de um barracão em Limeira, e nos últimos anos passaram a ser conduzidas por seus três filhos. Foram eles - Gilson Lucato Junior, Carlos Alberto Lucato e Paulo Henrique Lucato - que receberam o Valor na semana passada, no mesmo terreno em que o antigo barracão há algum tempo foi substituído por um moderno "packinghouse", atualmente em fase de ampliação.

Mas a história não é assim tão linear, e por pouco a Citrícola Lucato não teve vida curta. Em 1984, "seu" Gilson, cansado da ponte terrestre Limeira-São Paulo, resolveu alugar o box na Ceagesp e passou a se dedicar a negócios em outras áreas, sobretudo a venda de combustíveis. Mas também iniciou sua própria produção de laranja, e quando voltou ao comércio da fruta, reassumiu o box e reativou o barracão, em 1995, deu prosseguimento às transformações.

Naquela época, o filho mais velho, Junior, então com 18 anos, seguiu o caminho do pai e também trocou Limeira por São Paulo para estudar e trabalhar. Batia ponto na Ceagesp, e teve voz na guinada que tempos depois abriu as portas do grande varejo à Lucato. "A questão era como voltaríamos ao mercado. Sabíamos das dificuldades em se trabalhar pensando em volume, que é o foco da cadeia exportadora de suco, e decidimos apostar em frutas de qualidade para o mercado de mesa", lembra Junior, que se formou em administração.

A primeira missão foi prospectar bons fornecedores, já que grande parte da laranja vendida pela Citrícola era - e continua sendo - produzida por terceiros. Foi preciso superar inclusive a concorrência de indústrias exportadoras nesse processo, e muitas vezes a disputa foi ganha com o pagamento de preços superiores aos praticados no mercado da matéria-prima.

Carlos Alberto explica que a colheita de laranja já era direcionada a caixas plásticas, não a silos - "não era gasto, era investimento" -, a comercialização era realizada em caixas de madeira maiores que as usuais e as estratégias de venda foram sendo sofisticadas. As caixas de madeiras depois também foram trocadas por caixas de plástico e as vendas começaram a ser fechadas por quilo, não por caixa.

"Nessa época [entre 2003 e 2004], o mercado interno estava difícil, mas a demanda por produtos de qualidade era forte", diz Junior. Nesse cenário, e com forte influência de Carlos Alberto, que é engenheiro, começaram os investimentos em tecnologia e maquinário. Carlos foi para a Califórnia em meados da década passada para conhecer as novidades, já que em 2006 começariam as vendas para supermercados e ao varejo focado em produtos de qualidade superior e público de alta renda.

A primeira máquina, importada da Nova Zelândia por US$ 500 mil, chegou em 2008. Para quem não conhece, ver o calibrador eletrônico Compac modelo 5000 em operação impressiona. Ele identifica todas as frutas descarregadas em uma esteira e as seleciona a partir de critérios como tamanho, aparência, cor e peso. Mesmo frutas secas, de difícil identificação, são descartadas. As que estão no padrão são encaminhadas ao cliente, com rastreabilidade total; os descartes são vendidos no mercado spot para as indústrias de suco.

Antes disso, e também por conta do aumento da clientela e de suas exigências, a Lucato começou a produzir laranja em Madre de Deus de Minas, em Minas Gerais, em uma fazenda que hoje tem 200 mil pés em produção, toda ela irrigada pelo sistema de gotejamento - o mesmo implantado em outra unidade em Fernando Prestes, em São Paulo, adquirida em 2008 e onde há cerca de 100 mil pés.

E outras melhorias vieram, como a aplicação de novas tecnologias para o pós-colheita, câmaras frias para ampliar a durabilidade das frutas, frota própria de caminhões, investimentos em marketing em pontos-de-venda e embalagens modernas, como as encontradas na Califórnia e na Espanha - principal referência europeia em laranja de mesa. Para embalar as frutas, outra máquina foi comprada em 2009 e duas chegarão em 2011, e a etiquetadora automática foi trocada recentemente.

Nas gôndolas do Pão de Açúcar na capital paulista, por exemplo - a Lucato também está e é possível encontrar pacotes de 2, 3 ou 5 quilos de laranjas lima ou pêra, com preços que variam de R$ 6 a R$ 14. E vem aí a laranja bahia, a ortanic (híbrido de laranja pêra com tangerina) e o limão, já cultivados nas fazendas da empresa, como adianta Paulo Henrique, o filho mais novo de "seu" Gilson.

Como no caso de concorrentes que trilham estratégias similares e também despontam no grande varejo com frutas de qualidade superior, a Citrícola Lucato, que vem crescendo 20% ao ano e emprega mais de 100 pessoas, tem suas vendas concentradas em São Paulo, mas 20% delas já são direcionadas aos Estados de Minas Gerais, Santa Catarina e Paraná. E se as vendas da empresa ao varejo cresceram 90 vezes de 2006 para cá, os tradicionais feirantes, que compravam 90% das frutas no passado, hoje não representam mais do que 2%.

"Muitos consumidores ainda não reconhecem a qualidade diferenciada de uma fruta tratada dessa maneira, mas aos poucos esse comportamento está mudando. O mercado doméstico é forte e vale a pena trabalhar com laranja de mesa". Palavras dos irmãos Lucato, para orgulho de "seu" Gilson.
Valor Fernando Lopes | De Limeira (SP)
04/04/2011

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